Por Paulo Cairo
Este é o meu pai, GILDÁSIO CAIRO. Se ainda estivesse fisicamente entre nós, ele estaria completando 100 anos exatamente hoje. Nascido na fazenda Patagônia, em Ituberá-BA, meu pai foi criado na roça, sob os cuidados de sua mãe, Senhorinha Cairo, e a companhia de outros nove irmãos. A luta cotidiana pela sobrevivência, que muitas vezes tinha apenas 1 vara de pão, como único alimento do dia para dividir com os irmãos, ajudou a desenhar a personalidade de uma vida marcada por muito sacrifício, humildade e solidariedade.
Quando completou 28 anos, já casado com minha mãe Regina Cairo, meu pai decidiu seguir os passos de alguns dos seus irmãos, e se mudou para Vitória da Conquista, em busca de um futuro melhor. Em Conquista, meu pai conseguiu se estabelecer inicialmente com dois bares que foram ícones da segunda metade da década de 1940, o “Salão Azul” e o “Gato Preto” – este último, onde hoje funcionam lojas de confecções, no calçadão da praça 9 de novembro. Segundo relatos dele próprio, muitas contas desses bares eram pagas não com dinheiro, mas com algumas terras então consideradas “imprestáveis”, ou de baixíssimo valor, localizadas no entorno da cidade.
O seu espírito empreendedor transformou essas terras em loteamentos populares, cujos nomes contam um pouco da sua trajetória de vida. Suas convicções de fé, marcadas pelo sincretismo religioso, que misturava catolicismo, espiritismo e candomblé, sem cerimônia, deram o nome do seu primeiro grande loteamento – o Bairro Jurema. Depois desse, veio o seu maior loteamento – o Bairro Brasil, maior que muitas cidades da Bahia. Em seguida, criou o Bairro Patagônia, uma homenagem à sua fazenda natal. Em mais uma referência às suas convicções religiosas, criou o Bairro Kadija. Por fim, criou os Bairros Senhorinha Cairo (sua mãe) e Miro Cairo – este último, uma homenagem ao seu irmão caçula, parceiro nos loteamentos, precocemente vitimado por um câncer fatal.
Sua história de humildade e honestidade, associada a um coração gigante, de bondade e justiça sem medidas, ajudou meio mundo de pessoas a estabelecer sua moradia a custos quase simbólicos, construindo a maior parte do que hoje se denomina o “lado Oeste de Conquista”. Doou terrenos para a construção do Lar Santa Catarina de Sena (Orfanato) e para a Igreja conhecida como o “Seminário”, na avenida Brumado.
Sua trajetória o alçou naturalmente ao mundo da política, tornando-o influente em todas as eleições do seu tempo. Assim, tornou-se vereador e deputado estadual. Na segunda metade da década de 1970, elegeu-se vice-prefeito de Conquista. Nos últimos 9 meses do seu mandato, assumiu definitivamente o cargo de prefeito titular. Ainda teve tempo para se notabilizar como um dos pioneiros da cafeicultura, apostando firme nesse segmento da economia que mudou os rumos de Conquista e do sudoeste da Bahia.
Com muita honra, sou o caçula dos seus seis filhos. O seu perfil de homem público, mesmo sem ter tido a oportunidade de ir muito além da alfabetização, foi a maior escola formadora da minha personalidade, e foi decisivo para moldar o meu caráter. Educou mais por gestos do que por palavras. Eu poderia passar, aqui, incontáveis horas relatando histórias sobre a vida de meu pai, transpirando o orgulho de ser seu filho. Mas, neste momento, a referência que me arrepia, amolece o meu coração e mareja os meus olhos são as lembranças que pulsam no coração.
Lembranças daquele que me levava pra escola, me protegia, se desdobrava para nada me faltar. Da casa enorme e sempre cheia de gente, onde a gente morava, na Rua 7 de Setembro, no centro de Conquista. Ele me levava pra brincar no chão de poeira, quando ainda estava piqueteando os lotes do futuro Bairro Brasil. Me ensinou a gostar do campo (fiz Agronomia por sua causa), e despertou em mim a paixão pela política. Lembranças de como ele dedicou uma vida inteira de respeito, admiração e amor por minha mãe – e da sua dor profunda, ao testemunhar o seu falecimento. Lembranças da sua alegria infantil, quando nasceu minha filha Mariana. A sua ausência física entre nós será sempre muito sentida; mas sei que um dia estaremos juntos, para celebrar o sentido da vida e a alegria de termos cumprido a nossa grande missão.
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