quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

CAUSOS DE ADVOGADO: A DESPEDIDA



POR GUSTAVO DE MAGALHÃES
Advogado

Esse ano foi uma agradável surpresa escrever os meus causos e maior ainda foi saber que muitos estão lendo. É muito bom passar na rua e ouvir de um estranho “aêh doutor estou acompanhando os causos”; ou o garçom daquela churrascaria movimentada pedir “eiii doutor conta algo bem legal pra gente”; ou amigos antigos relembrando os velhos causos, me dando subsídios maravilhosos; já ouvi também alguns amigos (de mesma forma suspeitos) afirmarem que alguns causos ajudavam aos profissionais iniciantes, e que deveria continuar nessa linha. Longe de mim, ter essa pretensão, mas se isso ocorreu fico imensamente feliz. 


Mas a princípio eram somente coisas engraçadas que eu gosto de lembrar, que rechearam minha vida até aqui, já quase um homem de meia idade, e se não foram espetaculares eu as fiz serem, perpetuando em minha memória e agora repassando com meus causos, com muito humor, que sempre foi minha tônica.

Muitas situações mais simples foram engraçadas, ou se tornaram na minha fantasia, como levar uma pedrada numa briga de meninos na rua, ou ser pego pelo segurança da festa tentando entrar de graça no show; ou fazer rir com o fato de ficar preso dentro do banheiro do avião ou finalmente quase se afogar na banheira do velho hotel; por fim, nada ais engraçado do que quase afogar numa piscina de cocô.

Mas, chega ao fim mais um ano, e essa data em nossa casa é muito marcante.

A família é grande, aos padrões atuais, e sempre que nos reuníamos em festas, regadas a muita comida feita por minha mãe, Lícia (Licinha, para os íntimos e não íntimos), somente os filhos, sobrinhos e agregados (leia-se namorados, ficantes, cunhados) já se bastava de convidados.

O último dia do ano sempre foi (coincidentemente) o aniversário de minha irmã de idade mais próxima (sou caçula de uma família de cinco irmãos), Valéria, o que significa que sempre temos festa nessa data, em que pese para ela signifique sempre prejuízos, pois por muitos Natais não ganhou presente, sendo resumido apenas um presente e não dois, pela ordem das datas.

Mas já faz muitos anos, e estávamos todos, irmãos e agregados, sobrinhos e netos, reunidos na mesa, que minha mãe sempre fez no almoço ou no fim da tarde, pra liberar a galera para outras festas e porque meu pai já estava adoentado depois de seguidos derrames, e sempre dormia cedo, e aproveitávamos sua presença.

Ahhhhhh… meu pai! Antonio Magalhães, ou Tinô, como era conhecido. A figura era tão marcante, que seu apelido virou nome na família, e vários hoje são tinôs, e Clara, minha filha, deu sorte de não se chamar Tinô também.

Ele sim, causista de dedos cheios, e tenho absoluta certeza que quando escrevo agora, ele deve estar com suas pernas longas e esguias cruzadas, braços na cadeira do papai sorrindo e balançando a cabeça.

Muito inteligente, auto formado em varias matérias, discutia desde ecologia a astronomia como se doutor o fosse, e “como ele não era doutor”, como o próprio afirmava, “ninguém acreditava nele”.

Umas das coisas mais legais que aprendi com ele foi chorar vendo a TV (choro vendo o programa de sábado, a propaganda do banco, as mensagens de Natal e chorava até com Xuxa entrando na Nave!). Na época dele, era o inicio da Igreja Universal, e eu varias vezes o vi chorando vendo o pastor pregando, em que pese ele reconhecidamente não tivesse religião, mas era como se um sopro de esperança para cura de suas doenças. Mas, machão não daria o braço a torcer, e dizia quando pego chorando: “bestage!”.

Nessa época eu era o encarregado de fazer massagens em suas costas, que a posição de sentar, já bem debilitado, lhe doíam muito. Eu, adolescente inquieto, fazia tudo ara acelerar a massagem, com a pouca paciência peculiar a idade. Quanto arrependimento hoje tenho, ao lembrar que na atualidade, vivemos em busca de um toque, de um abraço, e imagino como ele se sentia naquele instante.

Naquele ultimo dia daquele ano, pela manha eu já tinha feito as suas massagens, e ainda bem que com bastante paciência, mais pelo fato dele ter reclamado de muitas dores e não ter pedido para parar (acho que ele sentia que eu já não tinha paciência e abortava a missão silenciosamente). Fiz com amor, e carinho, mas doido para acabar e continuar nos preparativos do fim do ano, que para mim não eram muitos, afinal, ainda era um rapazote de dezesseis anos que prestava vestibular para direito e passaria em quinto lugar na universidade pública.

A ceia seria cedo, tipo um delicioso jantar, mas já não via mais, sentado à mesa o meu pai, que estava na cama deitado, próximo a sala de jantar. A algazarra não lhe incomodava certamente, pois ali naquele momento era como se fosse a oração do pastor na TV, palavras da sua salvação.

Ao terminarmos a refeição tão gostosa, não foi difícil ouvir que do quarto vinha um gemido de dor, que marcava inicio de sua passagem, que ao contrario do que eu sempre imaginava, demorou alguns minutos (horas na minha memória).

Naquele momento ele partiu, rodeado por sua família, sua amada esposa, filhos, netos, médico, que era vizinho e foi prontamente chamado e estava do seu lado. Tivemos a certeza de que era a missão cumprida de um grande homem, e todos nos tivemos a oportunidade de nos despedir, tendo a certeza que ele ainda nos ouvia, e levou consigo todo amor que por ele tínhamos (temos) e o que certamente amenizou sua viagem.

Era festa de fim de ano, e eu ouvia os fogos começarem a estourar, as pessoas alegres brindando nas casas vizinhas, e ao mesmo tempo a noticia rapidamente se espalhou, e muitos amigos começaram a chegar a noite ainda para se despedir do velho Tinô, figura ímpar, muito querido na cidade de Ilhéus, e de varias outras por onde passou.

Primeiro os irmãos de maçonaria, que lhe acudiram em suas ultimas homenagens, ele que foi atuante e alcançou altos níveis na irmandade. Ai o que passou a seguir foi algo que eu consigo ver até hoje como de mais engraçado que possa se extrair dessa história. É que além de não ter definida a sua religião, intelectual que era, analisava a todas com ressalvas e críticas, principalmente os exageros.

Então não pude deixar de rir, mesmo em um momento tão duro e difícil, e hoje com muito mais propriedade, ao ver um desfile de praticantes de todas as religiões, e isso sem contar os procedimentos maçônicos. Começou a peregrinação com nossos vizinhos evangélicos, com suas orações fortes; após vieram meu irmão e cunhada com mantras de uma religião hindu. Em Ilhéus o candomblé é uma pratica normal, e ele recebeu amigos que tinham um pé no dendê; depois alguns parentes que frequentavam seitas com rituais indígenas; por fim, foi a vez dos representantes católicos, capitaneados por minha tia Lizete, que é freira, e todas as rezas e ladainhas que antecipam a despedida.

Ou seja, para quem não era muito católico (expressão antiga que significa para quem não acreditava muita coisa, apesar de acreditava em tudo até em disco voador, o qual ela queria pegar pelo rabo), a romaria de religiões foi, no mínimo divertida.

Até hoje imagino que, se ele ainda naquele instante estivesse no local em presença, estaria se rindo, ou sentadinho na suacadeira do papai, com suas longas pernas esguias cruzadas, balançando com a cabeça e dizendo: bestage!

Feliz 2016 a todos, que nossos sonhos se realizem ou se não, que tenhamos força e lutemos bastante para isso.gustavodemagalhaes@hotmail.com  whatsapp 77 99198-2859

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