POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de cinema da UESB
A pior parte, para mim, ao escrever sobre qualquer filme, é a sinopse. Não gosto de escrevê-la, mas há uma boa parte dos leitores que precisam dela para saber do que se trata o filme. Já para os que leem as matérias após verem o filme, são palavras desperdiçadas. Finalmente, há sempre a possibilidade de se estragar, mesmo que involuntariamente, uma surpresa importante do roteiro. .
O filme possui duas linhas de tempo. Numa delas, que é mostrada assim que o filme começa, temos os três amigos até então inseparáveis vivendo num belo lugar, nos subúrbios de Boston: Jimmy (no futuro, quando adulto, interpretado por Sean Penn), Dave (quando adulto Tim Robbins) e Sean (quando adulto, Kevin Bacon). Após uma cena ótima, tensa, Dave acaba sequestrado por dois homens pedófilos e fica em cativeiro, sofrendo abusos sexuais por quatro dias, quando escapa. Inicia-se a linha de tempo atual. Os três amigos continuam morando na mesma cidade, mas não são mais amigos: apenas cumprimentam-se cordialmente, quando eventualmente se encontram. Sean agora é detetive do FBI (seu parceiro é WhiteyPowers, interpretado por Laurence Fishburne); Jimmy é dono de um pequeno negócio, e é chefe também uma espécie de máfia local, com capangas que investigam e fazem serviços sujos para ele, quando necessário (ainda assim, Jimmy é primeiramente um homem respeitado e vive sob a lei). Finalmente, temos Dave, o menino abusado sexualmente na infância. Dave virou adulto, mas aquela horrível experiência vem acompanhando ele dia-a-dia. É um homem quieto, triste e muito provavelmente infeliz.
Os três possuem esposas, todas elas possuem papéis fundamentais no enredo. Celeste (Marcia Gay Harden, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante pelo bom filme Pollock) é a esposa de Dave, e ajuda o marido a carregar o fardo do passado com bastante força. Annabeth (Laura Linney,) é a esposa de Jimmy, que compactua com o estilo de viver do marido (a máfia local). E temos também a esposa de Sean, o detetive, que separou-se do marido, e agora ambos tentam se entenderem novamente, isso se um dos dois tiver coragem de abrir o coração para o outro novamente. Essas seis pessoas, ou três casais, formam o coração e a alma de Sobre Meninos e Lobos.
Agora, para acabar com a sinopse, vou ter que citar uma passagem importante do filme (é um daqueles motivos pelos quais detesto escrever sinopses), mas essa passagem está no trailer, e é necessária comentá-la para entrarmos na próxima parte da matéria (de qualquer forma, ela está no primeiro terço do filme, e não se configura como uma “surpresa” do roteiro). Após um acontecimento, a belíssima filha de 19 anos de Jimmy é encontrada morta, assassinada por alguém da cidade. Os dois detetives do FBI e a máfia de Jimmy participam de uma investigação paralela para descobrir o culpado, ao mesmo tempo que feridas são abertas para os personagens principais: os três amigos de infância se vêem obrigados a se reencontrarem novamente, só que agora eles sabem que a amizade não existe mais. A partir daí, uma sucessão de fatos, cada vez mais emocionais e intensos, faz com que a vida de todos os personagens seja subitamente revirada de cabeça pra baixo. Quem vai agüentar tamanha pressão? Que mistérios guardam cada um dos personagens?
Pronto! Livrei-me da sinopse. Agora posso me soltar e escrever livremente sobre todos os outros tópicos. Falar mais do que já foi falado sobre a história é desnecessário e perigoso a não ser que você queira estragar sua experiência ao assistir ao filme. Se essa for a opção, você veio ao lugar errado, pois isso não acontece aqui. Em primeiro lugar, vou comentar o mais óbvio, o que é consenso entre quase todos os críticos, nacionais ou internacionais: o filme é maravilhoso quando entramos nos campos de direção e atuação. Sean Penn é considerado por muitos como o melhor ator da atualidade (isso mesmo, melhor que De Niro, Al Pacino ou qualquer outro), opinião não compactuada por mim. Na realidade, acho que criar um ranking de melhores atores é algo bobo e impossível de se fazer (ao contrário de um ranking de melhores filmes), são centenas de nuâncias, elementos externos (escolha do filme, capacidade de direção sobre o ator, etc.), enfim, nunca se poderia mensurar algo assim, com justiça. O que importa é que Sean Penn está sim, entre os melhores da atualidade. E ponto! . E ganhou o merecido Oscar pelo personagem em questão.
Neste filme, Penn passa por um leque enorme de emoções, desde o comum desejo de vingança até a desconfiança com relação a seus amigos. Todas elas vividas intensamente e com maestria pelo ator. Além dele, temos os outros dois atores que formam o trio de protagonistas. Kevin Bacon, que em minha opinião, é outro ator maravilhoso, e só não pode ser colocado ao lado de Penn justamente por um daqueles fatores externos, dos quais comentei antes: ele não tem capacidade de mostrar coisa melhor pois seus filmes não ajudam muito. Se é problema dele, do seu agente, ou pura má sorte, é outro assunto. O Homem Sem Sombra é um filme de ação bacana, mas não dá pra mostrar muita coisa num filme assim; Ecos do Além é quase a mesma situação: um thriller de terror e suspense que, mesmo acima da média do gênero atual, não exige muito de nenhum ator (mas Bacon está ótimo no filme, mesmo assim)… e daí pra baixo, já são oito anos desde Apollo 13, último filme de real destaque para Bacon, onde mesmo assim foi obscurecido por Tom Hanks. Enfim, o ator consegue sempre boas escolhas, mas estava faltando “A” escolha para mostra do que ele é capaz. Sobre Meninos e Lobos, mesmo não em um papel magnífico (o velho detetive do FBI – é sem dúvida o personagem mais estereotipado dos três protagonistas), pode muito bem ser essa escolha.
Finalmente temos Tim Robbins que, em minha opinião, é o melhor ator de todo o filme. E ouso dizer mais: se Robbins e Penn disputassem o Oscar na mesma categoria , gostaria que ele fosse entregue a Robbins. Mas a academia de Artes Ciências Cinematográfica, o indicou na categoria de ator coadjuvante , e graças a Deus Tim Robbins levou o Oscar pra casa. Certamente a força de seu personagem ajuda: é o mais perturbado dos três, foi molestado sexualmente quando criança, e agora vive perturbado, infeliz. Robbins também estava um tanto sumido, depois de sua mais magistral obra-prima como protagonista, Um Sonho de Liberdade, do diretor Frank Darabont, Robbins teve apenas em O Suspeito da Rua Arlington um lugar onde mostrar sua habilidade. A sensação – uma entre tantas – que tive ao estar assistindo Sobre Meninos e Lobos é que o filme serve para reafirmar esse trio de atores em Hollywood. Pelo menos esses dois últimos, já que Sean Penn não precisa e nunca mais vai precisar ter seu talento reafirmado. Só por esse motivo já bato palmas para o filme de Clint Eastwood.
Muitos filmes com grandes interpretações são levados muitas vezes apenas por um ou dois atores. Sobre Meninos e Lobos não sofre disso: além de contar com três belíssimas interpretações do elenco principal, todos – e repito – todos os coadjuvantes que têm alguma importância, por menor que seja, fizeram um trabalho plausível no filme de Eastwood.O ritmo que Eastwood dá ao filme também é quase perfeito, com exceção do final (o qual será comentado mais para frente), Sobre Meninos e Lobos passa sem chatear em nenhum momento, mesmo passando bastante das duas horas de projeção.
Claro, mais cedo ou mais tarde os pontos negativos do filme teriam que surgir. Ele não é perfeito (como nenhum filme é), na verdade faltaria muito para ele ser perfeito. Oras, mas então, se a qualidade do elenco não poderia ser melhor, como já foi comentado, a direção é primorosa e sem escorregões, como também foi dito, qual é o problema com Sobre Meninos e Lobos? Os problemas (pra mim são dois problemas maiores) deste filme são totalmente subjetivos, ou seja, eles são baseados na minha opinião, já li comentários que desmereceriam todos eles, e colocariam o filme num patamar maior do que estou colocando, chamando ele de o melhor filme do diretor. Em termos de qualidade geral, Os Imperdoáveis não foi superado pelo diretor, pelo menos não com Sobre Meninos e Lobos. O porquê disso? O roteiro ou mesmo a simples premissa (idéia) do filme.
O final desnecessariamente estendido, mesmo que ajude a personagem de Laura Linney (que tem seu melhor diálogo nele, e expande muito mais o relacionamento entre ela e o personagem de Penn) é duvidoso em termos de realismo, além de tornar o filme cansativo pela primeira vez, já que o clímax ocorreu logo antes dele, e ele dura vários e vários minutos – não contei quantos para saber ao certo. Finalmente, o que vemos nesse final não corresponde ao que encontramos no filme todo, antes dele. Parece deslocado. Muitos poderão discordar de mim, até porque ele dá respostas definitivas aos acontecimentos e situações. Mas seriam elas realmente necessárias? Eu acho que não.
Depois de 11 anos de seu lançamento, Sobre Meninos e Lobos , é um filme poderoso, forte (não recomendado para crianças por causa do tema), que exige certa atenção para ser apreciado, é filme que marca quem o assiste, experiência excepcional.
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