POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de Cinema da UESB
É estranho como o mundo da cultura pop dá voltas. Em 1981, durante a aclamada passagem a revista mensal “Uncanny X-Men” (mais precisamente nas edições 141 e 142 da publicação), surgiu o arco “Days of Future Past”, que serviu como uma das inspirações para que James Cameron criasse o futuro apocalíptico visto em “O Exterminador do Futuro” poucos anos depois.
Agora, com este “X-Men – Dias de Um Futuro Esquecido”, adaptação para o cinema daquela mesma história, o filme de Cameron é uma das referências mais claras de Bryan Singer, no retorno do diretor ao comando de uma fita da franquia X. Considerando o tom mais “pé no chão” (na medida do possível) dos dois primeiros longas da série, justamente aqueles comandados por Singer, ninguém imaginaria que o cineasta fosse utilizar os elementos mais fantasiosos dos quadrinhos originais, com a viagem no tempo sendo um deles.
O mais impressionante é que essa história que se passa em dois tempos diferentes funciona de forma relativamente coesa, mesmo sendo uma sequência tanto para a trilogia clássica, quanto para “X-Men – Primeira Classe”, cuja narrativa se passava em 1962.
Em 2023, o mundo se tornou um verdadeiro inferno. O planeta é guardado por Sentinelas, robôs programados para aniquilarem qualquer membro da minoria mutante e quaisquer simpatizante da causa destes. Os X-Men restantes resistem como podem, liderados pelo Professor Xavier (Patrick Stewart) e seu melhor inimigo, Magneto (Ian McKellen), mas estão no limite de suas forças.
Em um plano desesperado, a consciência de Logan/Wolverine (Hugh Jackman) é enviada ao seu corpo mais jovem, em 1973, para impedir que Mística (Jennifer Lawrence) assassine o industrial Bolívar Trask (Peter Dinklage), criador dos sentinelas e ativista anti-mutantes, evento que causaria a distopia onde eles vivem. Para tanto, Wolverine terá de recrutar as versões mais jovens de Xavier e Magneto (James McAvoy e Michael Fassbender, respectivamente), que romperam ligações de maneira traumática após os eventos de “Primeira Classe”.
O choque que Logan toma ao conhecer essa versão melancólica e sombria de Xavier é tão forte quanto o da audiência. Ao perder tudo o que prezava, aquele homem se isolou do mundo e de seu sonho, tornando-se alguém alquebrado. O soro desenvolvido por Fera (Nicholas Holt) lhe devolveu as pernas, mas custou-lhe sua telepatia, o que reforça seu desejado isolamento, tanto que Singer e McAvoy não escondem que a dependência de Xavier do soro remete diretamente à cultura da heroína, algo que lhe aliena das necessidades alheias e o anestesia das dores.
Nisso, o Logan do sempre carismático Hugh Jackman ganha uma função inesperada e atua como o guia de Xavier durante seu período depressivo. Além disso, considerando que se trata da sétima aparição do herói de garras nos cinemas e, em teoria, já estamos mais que acostumados com ele, suas tragédias e senso de humor peculiar, é natural que ele sirva como nosso guia nos diversos “mundos”.
Já Magneto encontra-se enclausurado por seu suposto envolvimento na morte do presidente John Kennedy (em uma divertida teoria conspiratória para a morte do mandatário estadunidense), mas continua focado em seu ideal de supremacia mutante. Esse foco fundamentalista dado por Fassbender em sua interpretação faz com que essa versão do personagem seja imbuída de um quê de impiedade e imprevisibilidade que o tornam a figura mais magnética (sem trocadilhos) em cena.
Mística é o fio da meada entre os dois. Ela se divide entre a Raven que cresceu com Xavier e a guerrilheira que surgiu pela sua convivência com Magneto. E é particularmente tocante que Jennifer Lawrence aprofunde a humanização da mutante que vimos ser tão impiedosa na trilogia original, mostrando que a queda de Raven e sua (inevitável?) transformação se deu mais pelos seus bons sentimentos que por qualquer outro motivo – e saber do destino de alguns dos heróis e vilões vistos em “Primeira Classe” pelo ponto de vista dela é algo deveras chocante.
Apesar do grande número de atores em cena, o roteiro de Simon Kinberg foi hábil ao focar em apenas alguns dos personagens. Não que haja uma superlotação, mas existem papéis mais discretos dentro da narrativa, mas que sempre ajudam a história a avançar, com o filme .
Um exemplo disso é a participação de Mercúrio, vivido por Evan Peters. O velocista protagoniza aquela que é a melhor cena de ação do filme e tem momentos divertidíssimos graças à sua personalidade sarcástica, mas sai da tela de maneira orgânica após cumprir sua função na história
Apesar de manter o foco da produção no elemento humano, Bryan Singer não decepciona nos aspectos técnicos. O diretor atua com duas lógicas visuais que se complementam. O futuro desolado (os campos de concentração de Auschwitz-Birkenau certamente foram estudados pela equipe de design de produção) se mescla a um passado setentista que jamais se torna excessivamente camp ou exagerado (como no recente“Trapaça”, por exemplo).
O uso de técnicas de fotografia diversas, emulando os antigos filmes em Super 8 ou reportagens televisivas dos anos 1970, conferem maior verossimilhança à narrativa e a existência de mini-filmes de gêneros que fazem referência ao cinema dos anos 1970 (filmes de assalto, guerra ou thrillers políticos) é um detalhe que enriquece a experiência cinematográfica e mostra o carinho do diretor na feitura da obra. As cenas de ação, carregadas de belos efeitos visuais, valorizam os poderes diferentes dos mutantes e a interação entre eles, jamais se tornando repetitivas.
Mesmo com alguns elementos mal explicados, especialmente quanto ao meio de viagem no tempo, este ambicioso “X-Men – Dias de um Futuro Esquecido” joga a franquia em uma direção inesperada, ao mesmo tempo em que presta homenagem à trilogia original de filmes, dando um adeus digno àqueles personagens, embora saibamos que esta despedida não será exatamente definitiva para alguns deles. Recomendado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário