POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de cinema da UESB
Em 2010, o curta “Eu Não Quero Voltar Sozinho” foi destaque em diversos festivais pelo mundo, seguindo uma carreira online exemplar que já marca mais de 3 milhões de visualizações no Youtube. Com o sucesso do filme, que conta a história do primeiro amor de dois garotos, o diretor Daniel Ribeiro decidiu ampliar o universo da trama para mostrar com mais detalhes a sua visão sobre a juventude, o amor e a sexualidade. “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” chega aos cinemas após vencer o prêmio da crítica na mostra Panorama do Festival de Berlim desse ano, embalado por uma grande expectativa que certament
e será superada.
A trama acompanha Leonardo (Ghilherme Lobo), um garoto cego que passa seus dias ao lado da amiga Giovana (Tess Amorim). A vida dos dois muda quando Gabriel (Fabio Audi) entra para a turma da escola. Os três começam a conviver juntos, colocando a força da amizade à prova. Enquanto Leo tem o desejo de mudar a rotina e fazer intercâmbio, em busca de um lugar mais seguro da discriminação que sofre por ser cego, Giovana é a sua grande companheira, seus olhos para o mundo. A chegada de Gabriel vai questionar não apenas a relação entre Leo e Giovana, mas despertar no garoto um sentimento que vai muito além do que (não) pode enxergar, mas sente toda vez que o novato está por perto.
O retorno do elenco principal é favorecido pela entrada de novos personagens que não estão no curta. O que poderia se tornar extremamente genérico acaba dando mais sustentabilidade ao universo de Leo. A relação com seus pais aparece protetora, como era de se esperar, mas tenta fugir todo tempo do melodrama que a condição do garoto significa para a família. Aliás, apesar de todo o bullying que Leo sofre na escola por cego, o roteiro não se apieda do personagem, que se estabelece como um garoto como outro qualquer cujas limitações tentam ser quebradas, já que o frescor da juventude sempre traz essa necessidade de conhecer o mundo e extrapolar as regras. Os embates com seus pais são muito bem orquestrados, mostrando que o filme joga, acima de tudo, um olhar no sempre conturbado período da adolescência.
Se a sexualidade do protagonista aflora com a chegada de Gabriel, o roteiro reflete o acontecimento do amor na sua forma mais pura, que poderia ser entre dois meninos, duas meninas ou um casal heterossexual. Um dos maiores acertos do longa é tratar com delicadeza essa fase de descoberta, sem levantar bandeiras que certamente deixariam de lado toda a doçura que vem desde o curta-metragem. É sempre bom ver um pouco de inocência e sensibilidade no cinema, em um filme independente que, ao contrário do que alguns podem sugerir, não foi feito para um nicho específico de público. Histórias de amor serão sempre histórias de amor e as boas merecem ser vistas por todos. “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” também acalenta jovens que podem se sentir “diferentes ou inadequados” por suas condições físicas ou orientações sexuais.
O excelente trabalho de Daniel Ribeiro entra em sintonia com a disposição do elenco em reviver os personagens. Agora, os três jovens estão mais maduros e isso possibilita tanto uma exploração maior do corpo, que também se transforma junto com a mentalidade. A segurança de Ghilherme Lobo chega a ser assustadora, no bom sentido, claro. Lobo faz de Leo um personagem sincero que reconhece a sua condição, mas não deixa de ter seus sonhos de levar uma vida comum. Sua inquietação surge pelo desrespeito dos outros e por suas poucas limitações. Ele quer conhecer o mundo, quer ser o mundo.
Fabio Audi faz um trabalho exemplar de construção de personagem. Em determinada cena, ele revela apenas com um olhar tudo aquilo que já estava implícito anteriormente. Gabriel é um personagem que dá vontade de ver mais, de conversar mais com ele. De vê-lo mais com Leo. A química que beneficia o elenco é essencial para o sucesso da trama. Tess Amorim representa o maior crescimento para a obra. Mais madura como atriz, ela recebe ótimos diálogos que dão o alívio cômico que a história precisa, além de ser a personagem amigona que, mesmo enciumada, é capaz de salvar o amigo de uma cilada.
A verdade é que Leo, Gabriel e Giovana se amam. “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” rende uma boa lista de elogios técnicos, principalmente no que diz respeito à direção de fotografia e à direção de Daniel Ribeiro, sempre seguras. Ainda que preserve algumas restrições à montagem, o produto final em nada perde sua relevância, mostrando o talento da produção nacional independente, que tenta sobreviver no meio dos besteiróis dos grandes estúdios. Com uma ótima campanha no Facebook e a aceitação da crítica especializada e do público em geral, a trajetória do longa já começa bem, provando que bom cinema é aquele que conta boas histórias, e essa é mais uma imperdível
Nenhum comentário:
Postar um comentário