quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

CAUSOS DE ADVOGADO: ADVOGADO NÃO PODE DESCUIDAR



POR GUSTAVO DE MAGALHÃES
Advogado

No comecinho de minha carreira (cabe um parêntese sobre carreira no interior do estado, quando logo que comecei um colega sempre me dizia “não fica no interior, vai pra Capital, pois quem gosta de carreira no mato é veado”. Fiquei no interior, e veado é o animal!), queria abraçar o mundo. Pensando bem até hoje quero. Na verdade, advogado recém formado quer tudo e mais alguma coisa, então não tem limites. Em verdade estou tentando me comparar a hoje e não consigo ver diferenças… enfim! Desde meu comecinho como advogado, estou acostumado a fazer uma audiência em uma sala e na outra mais uma audiência, no mesmo horário, o que é comum para nos advogados basicamente trabalhistas. Alias, para que atua em juizados também. 


Em Salvador (na Bahia, como diriam os antigos), é normal atuarmos em varias torres Babel, com varias salas, vários andares, calor, agitação, converseiro, falatório, confusão, um verdadeiro caos! Eu sonhava com aquilo, com meu ritmo acelerado, voltagem contraditória ao meu tamanho, ávido por trabalhar, como até hoje.

Naquele dia em especial, eu estava em Ilhéus, me gabando, todo metido, porque já advogava para aquele grande empresa de transporte e para outros clientes e por isso tinha vários processos na pauta de audiência, e a vara do trabalho era primeiro e segundo andar.

Já era a tarde, e pela manha fui direito, fazendo audiência, atendendo cliente, suando com um verdadeiro rodizio de pizza debaixo dos braços, e por falar nisso, com fome, pois (o que até hoje acontece), não tenho horário de almoço.

Um amigo me chama para comer uma coxinha e um cafezinho, numa barraca que ficava em frente ao fórum do trabalho. Já tinha feito duas audiências, e aguardava mais duas, uma do amigo e outra com Doutor Valtércio, o juiz, personagem, que sempre aparece em meus causos.

Chamam na sala dele para começar a minha primeira audiência, e nunca fui de rejeitar uma coxinha, nem abandona-la em qualquer local, parceira é parceira. Entro, com o cliente da audiência, já com ela mordida, e o café derramando pelos papeis em cima da mesa, mas dando conta de tudo ao mesmo tempo agora.

Entra a testemunha de meu cliente, e naquele dia, por conta da deliciosa coxinha, não pude conversar antes para saber o que ela sabia da historia que deu origem ao processo, e mais ainda, por inexperiência, era testemunha do empregador, que nem sempre ouvimos, pois pode ser um tiro no pé, ou pior a emenda do que o soneto.

E ai, nesse momento cabe uma explicação, a bem da verdade. Tenho por hábito não orientar as testemunhas a falar nada, porque pra mim, se vou ouvi-la, é sinal que algo vai ser útil, pois conversaremos antes sobre o caso. Orientar, induzir, nunca, e acho que é uma pratica terrível para o advogado fazer isso. Se ela, testemunha, é orientada pela parte, eu abomino e não concordo. Talvez maior trauma tenha sido causado por esse episódio, pois naquele dia não tive contato com a dita.

Pois bem, quando iniciava a ouvida da testemunha, me chamam na outra sala lá embaixo, e viro-me ao nosso querido juiz, e peço licença para atender, e acho que deveria ter notado o sorrisinho no canto da boca dele ao permitir, e ainda exclamou: “pode ir tranquilo doutor Faustinho, esta tudo bem, vou ouvir apenas a testemunha e finalizar, pode ir tranquilo”.

Malsinada hora! Corri para atender a outra audiência, terminei a coxinha, o café, não nessa ordem, e retorno para a segunda vara, onde havia deixando a todos, e quando entro na sala, me deparo com uma cena de tragédia grega (para mim). A testemunha com os olhos arregalados, o juiz com sorriso e chifrinhos saindo pela testa, o juiz classista dos empregadores, meu lado naquele momento, balançando negativamente a cabeça, me censurando, o cliente com o olhar perdido que nem cachorro em mudança e os colegas se entreolhando.

Senti no ar um clima de silas… se lasquei!

“Terminamos aqui doutor Faustinho, agora só assinar a ata”!

Pois bem, ao assinar a ata fui lendo o que a testemunha disse, e fui percebendo o que tinha acontecido. A mesma tinha sido testemunha da parte contraria (só pode!), e disse tudo em desfavor do meu cliente, sem tirar nem por, e ai ele também sentiu o mesmo gosto de silas!

Fui batizado por doutor Valtércio naquele momento, e aprendi a jamais descuidar, baixar a guarda, ou deixar um cliente em audiência ou um processo sem atenção total.

A coxinha? Estava ótima maravilhosa, terminei comendo ela sentado no batente da vara do Trabalho!gustavodemagalhaes@hotmail.com, whatsapp 77 99198-2859

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SOCORRO!!!

  A Karisma News pede SOCORRO!!! Nunca chegamos a experimentar tanto descaso. Estamos sem alguma moeda nem pra comprar uma bala. A cada dia ...