sexta-feira, 11 de abril de 2014

SÉTIMA ARTE EM DESTAQUE: ENROLADOS

POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de Cinema na UESB

Os estúdios Disney chegaram bem ao seu 50º filme de animação, “Enrolados”. Assumindo os traços de uma megacorporação do entretenimento, a empresa parece cada vez mais sintonizada com as demandas do seu público, variado e inconstante após a sucessão de gerações. O desafio mais urgente, talvez, seja o resgate da parcela de audiência fisgada pelo sucesso de estúdios concorrentes. Colocar tal responsabilidade nas mãos de uma princesa de cabeleira avantajada é opção de risco quando os sucessos dos últimos anos priorizaram temáticas atuais. Na contramão de todas as suposições pessimistas, a Disney acertou em sua escolha.

“Enrolados” representa o primeiro passo da Disney no sentido de reunir seu público disperso e monopolizar um prestígio atualmente dividido entre concorrentes de peso. Neste início de década, a história de uma princesa clássica trabalhada sob moldes modernos e com o auxílio do cinema 3D parece dotada de simbologia suficiente para representar a atual empreitada da empresa.


O filme segue o argumento clássico do conto de fadas dos Irmãos Grimm, mas modifica algumas situações e insere novos traços para tornar o roteiro mais ágil e contemporâneo. Rapunzel foi levada para uma torre secreta por uma senhora que ambicionava a juventude eterna, o que só seria conseguido com o auxílio do cabelo da princesa. Com a ajuda de um ladrão fugitivo e aproveitando a ausência da madrasta, a garota arrasta sua cabeleira de 22 metros para fora da torre e vai conhecer o reino que imaginou.


Ao contrário do original alemão, e para atrair a parcela masculina do público, o conto da Disney preferiu fugir da figura do príncipe convencional, criando em seu lugar um anti-herói com aparência de mocinho.  Flynn Ryder divide com Rapunzel o protagonismo da história e sua importância não se resume ao papel de par romântico. É ele o narrador da trama, responsável pela apresentação da história e dos personagens nos primeiros minutos do filme. Sua narração malandra (no Brasil a dublagem é de Luciano Hulk) foge do convencionalismo de animações clássicas como “Branca de Neve e os Sete Anões”, “Cinderela” e “A Bela e a Fera”.

Algumas sequências também parecem feitas para a diversão do público masculino. Se Rapunzel aproveita seu tempo livre tricotando roupas, cozinhando bolinhos e pintando estrelas – atividades presentes no imaginário criado para princesas – também é capaz de tocar guitarra e desafiar beberrões em um bar de quinta categoria com a mesma desenvoltura.

Como forma de não abandonar todas as características responsáveis pelo êxito familiar da empresa, a trama de “Enrolados” também é permeada de boas lições. O alvo das recomendações morais, agora, é a parcela adolescente da audiência e, por consequência, seus próprios pais. O maior conflito da primeira metade do filme diz respeito ao sonho de Rapunzel de sair da torre e os conselhos da madrasta sobre o perigo do mundo externo. Assumindo o papel de voz da sabedoria presente nas histórias de moral, Ryder explica que os filhos precisam romper o cerco de superproteção materna em algum momento. Aos dezoito anos, chegou a hora da princesa.

A dúvida sobre a eficácia da animação digital para contar a história clássica de uma princesa tem fim ainda nos primeiros minutos de exibição. “Enrolados” parece o resultado de um trabalho minucioso de criação, em que todos os detalhes receberam tratamento cuidadoso e atenção redobrada. Os personagens surpreendem pelas texturas bem trabalhadas e expressões faciais que beiram a perfeição. O cabelo de Rapunzel demonstra ser resultado de uma dedicação exaustiva da equipe de criação, assim como o realismo dos ambientes externos e o nível de detalhamento das paisagens e planos mais abertos. As sequências de dança bávara no interior do reino e as lanternas voadoras, ao fim do filme, são momentos exitosos e merecem destaque entre os mais recentes lançamentos de animação digital.

Se o casal de protagonistas consegue obter nossa empatia imediata, os personagens secundários também desempenham papel importante na trama. A iguana de estimação da princesa, o cavalo real e a trupe de bêbados do povoado, além de resultados de um excelente trabalho artístico, são engraçados e responsáveis por várias tiradas de humor.

É evidente que a opção da Disney pela modernização de um clássico traria alguns prejuízos ao formato. As excelentes canções características dos filmes produzidos pelo modo tradicional de animação foram substituídas por músicas sem profundidade e com trechos pegajosos. A dublagem de Ryder para a versão brasileira, responsabilidade de Luciano Hulk, também não foi eficiente. É inegável o carisma de Hulk no comando de um programa de auditório, mas o mesmo não pode ser dito do seu trabalho como dublador. Sua narração deu ao personagem uma feição exageradamente folgada, com um sotaque e entonação de malandro carioca.

As inovações vistas no filme parecem ter funcionado de modo satisfatório para os cofres da Disney. Em suas duas primeiras semanas de exibição, faturou mais US$ 96 milhões nos Estados Unidos e recebeu críticas favoráveis de diversos veículos de peso. Depois de “Enrolados”, até para os mais saudosistas fica difícil encontrar argumentos que comprovem a superioridade da animação tradicional na narração de contos de fada.

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