POR VALDIR BARBOSA
Desde ontem, meu grande canto de aconchego e paz, onde reponho energias e guardo meus segredos, contando-os a minha fidelíssima parceira e confidente, na Praça Dois de Julho, neste Campo Grande de Salvador, que breve estará tomado pelos foliões de um carnaval ensandecido, não se faz tão grande, está meio triste. Ela se foi para terras paulistas, alimentar sua fome de saber, aplacar uma sede de conhecimento insaciável que lhe consome, de forma benfazeja, desde a adolescência.
Reunida, quase reclusa em hospedaria fincada num bucólico canto, entre flores e plantas, rodeada por colegas e mestres estará, durante quase dez dias agregando teorias e práticas que permitirão acrescer seus conhecimentos e levar, àqueles que lhe buscam querendo aplacar suas ânsias e fobias, os bálsamos desejados vindos na esteira do exercício profissional que abraçou.
Sou testemunha do sacrifício responsável por fazê-la, em menos de três quinquênios, passear pelas veredas densas de graduações, especializações, pós-graduações e mestrado capazes de transformar a menina curiosa de ontem, numa especialista induvidosamente capaz. Mas, a despeito desta ascensão, porque não dizer, meteórica, seu discurso cotidiano envereda pela senda da humildade.
Neste particular, não duvido serem suas crenças e práticas kardecistas, as grandes responsáveis por mantê-la modesta e caridosa. Estudiosa também, dos ensinamentos encerrados no livro dos livros, onde estão reveladas as mensagens simples e profundas do Rei dos Reis, mistura, porém sem confundir, os corolários técnico-científicos e as revelações que transcendem a nossa vã filosofia, parafraseando Shakespeare, sobretudo na seara da clínica.
Justo por haver sido privilegiado em acompanhar sua trajetória, na condição de parceiro esposado, inebriado desde os primeiros momentos por sua beleza impar, cada vez mais fulgurante, no conjunto físico e na iluminada alma guardada na figura que amo, é que me deixo dominar pela nostalgia. Assim, incorporo uma chuva de verão que cai neste domingo, molhando a varanda deste meu reduto no Campo Grande, hoje pequeno pela sua ausência e umedeço os olhos derramando, através das nuvens da saudade que agora habitam em mim, lagrimas de amor.
Mas, vou ao quarto de João e o admiro ressonar. Então, lhe sinto presente de maneira bem forte e capto sua energia marcante vibrando no ar. Apesar dos hormônios da puberdade exalados por ele, nosso pequeno, que agora nos supera em tamanho, como decerto nos superará em tudo, percebo seu olor feminino incomparável bem perto. A cortina da janela que balança leve roça meu ombro e uma onda boa estimula meus sentidos, então é como se seus cabelos tocassem em mim fazendo-me vibrar, como vibro a cada mínimo contato seu.
Saio de fininho para não acordá-lo sentindo uma felicidade repentina, fruto de sua mágica presença e no retorno à sala miro nossa cama. Vejo-lhe também deitada ressonando, exibindo aquele mesmo corpo meio desnudo que entusiasma minhas manhãs, mas, sei que ela não está ali, contudo, entendo a mensagem que começou quando a natureza fez chover na nossa varanda, mesmo porque o sol volta a brilhar com intensidade. Os raios que rasgam as nuvens tornando-as dissipadas informam que no domingo seguinte, a deusa estará voltando para os nossos abraços, deixando o campo de novo grande, na festa de seu porvir.
Vou andar. Contarei aos pássaros que gorjeiam sobre nós, quando caminhamos todas as manhas na praça, da sua partida sabendo que hoje cantarão um tanto quanto tristes, assim como canto eu, neste lamento. Mas revelarei o seu retorno breve que nos fará felizes a todos, mesmo que sejamos sempre, por sabê-la nossa companheira. Apenas, o hiato que impõe a ausência, não nos permite estar alegres, como estamos enquanto partilhamos sua companhia essencial.
Quem sabe depois vá ao reduto do Marquês de Placaford – Eujácio – como bem diz o nosso caro Tasso e passe em Pirilo, para comer uma lambreta, talvez em Nogueira, traçar uma corda de caranguejos em quiabos, ou em Bigode, sorver farofa de carne charque com pimenta, quiçá nos três. Depois do exercício defino como João, alias, ele é quem decide, trata-se do lídimo representante dela na sua ausência. Aos domingos minha musa impõe o que deseja fazer – cá prá nós, como determina suavemente todos os dias, destarte, a palavra final hoje pertence ao rebento. Ainda bem que amanhã recomeça a roda viva, na folga tendo como par a saudade, o tempo não passa.
Antes de concluir vejo as notícias e me penalizo com o caso da adolescente morta num entrevero entre quadrilhas rivais na Mata Escura, reflexo de uma segurança gris. Lembro que tenho recebido recados para não comentar sobre assunto ligado à pasta da Segurança. Desagrado quem comanda e isto, segundo o aviso, não é salutar para mim. Mas não posso deixar de referir mais uma página negra do noticiário policial. Redação Bocão News: “Uma tragédia aconteceu na noite deste sábado (8), no bairro de Mata Escura em Salvador. De acordo com informações da polícia, durante troca de tiros entre gangues rivais, duas garotas foram atingidas pelos disparos. A adolescente Lorena Moreira dos Santos, 12 anos, foi baleada na cabeça. A vítima foi socorrida para o Hospital Roberto Santos, mas não resistiu aos ferimentos e morreu…”.
Por isto resolvi escrever falando da saudade de quem amo. Mesmo porque falar de quem se ama é mais importante do que tudo. Todavia, passando os olhos na matéria citada agradeço a Deus por ter saudade de quem verei dentro de poucos dias, e sinto que meu campo é realmente grande. Penso o quanto deve estar sofrendo a família de Lorena, pois, a mata escura dessa família não poderá recuperar a luz, com sua perda e me solidarizo com os seus buscando, como palavra de consolo dizer que os desígnios do Criador são insondáveis.
Lembro a quem está insatisfeito com meus escritos que nada escrevi. Apenas reprisei uma matéria pública. De toda sorte, advirto, pois, quem avisa amigo é: CUIDADO BOCÃO. Afinal, dizem que está tudo bem, na terra de todos os nós.
Salvador, 9 de fevereiro de 2014
Valdir Barbosa
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