POR GUSTAVO DE MAGALHÃES
Alguns colegas se queixam, de que eu tenho um péssimo hábito de, em mesa de audiência, tentar tirar atenção deles, fazendo gestos, mexendo com algumas coisas, tipo uma caneta… maldades para desviar o foco daquele instante. Confesso… fui pego! Na verdade, de forma sutil quando a situação está preta pra meu lado, temos que usar as artimanhas que estão ao nosso alcance, que aprendemos com o passar dos anos nessa luta do dia a dia da advocacia. Não é má fé com o colega, mas diria que é uma perversidade. Leia na íntegra mais uma crônica de Gustavo Magalhães.
Mas isso não significa também que falte ao respeito com o colega ou com as partes. Não é igual a um grande empresário do Sul da Bahia que ao ir para as audiências, dava língua para a parte contraria ou para as testemunhas ou até mesmo chutava por baixo da mesa!
Da mesma forma, jamais ofensivo a parte contraria, como já contei noutro causo, onde perdi o efeito do calmante e parte pra cima da empregadora.
Enfim, fazia eu uma audiência com o juiz Marco Antônio, outra figura lendária da justiça do trabalho, aqui de Vitória da Conquista, na época (seu filho, advogado dos mais jovens, competentes e atuantes de hoje, deve estar lendo isso). Era um juiz muito inteligente e astuto, regado a saudáveis encontros na praça do Gil, comendo um baita de um acarajé com uma bela e gelada latinha; daqueles que não se deixa levar por advogados tirados a espertinhos.
Naquele dia, via aquele processo escorrer por ralo abaixo, eu como advogado do patrão, dono de um salão de beleza, e a empregada insatisfeita era uma cabeleireira, que reclamava seus direitos.
Eu já tinha fito de tudo. A digitação ainda era de maquinas de escrever, onde a mais moderna tinha um sistema que a gente datilografava e tudo era “impresso” numa vez só. Ou então as mais antigas, cata milho, que davam um sono aqueletlec-tlec no começo da tarde depois de um almoço pesado.
Vejo uma mesa de audiência como um grande jogo de xadrez, onde você tem que imaginar qual o próximo passo do colega que representa a parte adversa e qual seria a reação dele em determinada situação, e isso me instiga, porque o retorno é da mesma forma uma situação que temos que saber lidar e sair.
Voltando ao dia fatídico, já tinha feito de tudo, levantado e derrubado a cadeira, arrastado a dita, com aquele jeito sutil de um mamute enjaulado, ainda bem volumoso, e a empregada estava dura, não titubeava, e minha instrução ia para ascucuias.
Eis que entra uma figura, advinda de um livro suassunesco, bizarra, que lembrava uma mulher, porém só lembrava, porque detonada, com cabelo nas alturas, e sobrancelhas de Albiere, aquele personagem da novela da televisão, que tinha uma monocelha taturana.
Ao ser interrogada, aquela coisa, digo, testemunha, afirmava que sabia como a reclamante, autora da ação, trabalhava, sabia horário, data de entrada, até quanto ganhava, o que, para quem conhece um processo do trabalho, é presunção de que estaria esta mentido, porque ninguém sabe quanto o outro ganha, a não ser amigos íntimos, a quem é vedado por lei servir de testemunhas.
Foi a conta, eu já indócil feito um hipopótamos preso, bufava e rosnava inquieto na cadeirinha, torcendo pra não esmaga-la, quando ouvi tanta riqueza de detalhes na relação do terceiro, que não a própria depoente, não me contive e após a pergunta do juiz, se ela, testemunha, ia todos os dias ao salão, e por isso sabia de detalhes da relação, respondendo essa afirmativamente, resmunguei em alto e bom som: “e olha que ia todos os dias, e não adiantou nada”!
Pensem naquele silencio exatamente no momento, o que fez a minha frase ecoar, superar o tlec-tlec, entrar em todos os ouvidos dos presentes, que eram muitos, inclusive, o pior deles do Doutor Marco Antônio. Esse é moreno, ficou vermelho, até hoje não entendo como, e se tivesse metralhadora em seus olhos eu estaria fuzilado. Aí, sem nenhum constrangimento vira pra mim e sutilmente diz (preparem-se vão ouvir!) doutor Gustavo de Magalhães (minha mãe me bronqueia até hoje me chamando de Gustavo, quiçá se me chamar de Magalhães…), retire-se da sala imediatamente!
Poderia discutir com o juiz naquele instante, invocar o Código de Ética da OAB, chamar o bispo, as forças armadas, a imprensa, mas naquele momento, o peão recua, no jogo do xadrez, e bota o rabinho entre as pernas, e sai, caladinho, imaginando, primeiro, que não tem espelho em casa pra ver seus defeitos; segundo, que bobagem que eu havia dito, seu animal!
Moral da história: nesse dia não adiantou, não surtiu efeito, nem minhas provocações, nem o salão pra aquele coitada! (gustavodemagalhaes@hotmail.com, whatsapp 77-99198-2859)
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