POR MARLI GONÇALVES*
Não sei se é a água da torneira, do chuveiro, o ar, algum momento astral, o tempero da comida. Só sei que de uma hora para a outra tenho encontrado vários amigos que estão dando uma pirada, no bom sentido, “se procurando”. Onde é que a gente se perde?
Nós nos perdemos de nós mesmos. Como se a gente se esquecesse em algum canto, igual esquecemos e perdemos guarda-chuvas, isqueiros, canetas, papeizinhos com telefones importantes anotados (os desimportantes achamos), e não soubesse nem lembrasse onde, tivesse largado em algum lugar. Não há GPS ou Waze para essa situação, nem um satélite pode resolver. A agonia também parece a mesma de quando a gente está sozinho e perde os óculos de grau e tem de sair tateando até encontrar, justamente porque não enxerga nem um palmo na frente do nariz.
De repente acontece, creio que seja assim porque pelo menos os casos que tenho visto tiveram mínimo aviso prévio, só pequenos sinais como angústias existenciais. Já percebi também que há dois tipos de perdidos: os que conseguem falar sobre isso e os que não conseguem se expressar nem por reza brava. Aparentam apenas, como naquele dito popular, que estão procurando elefante em cabeça de alfinete, uma medida que sempre me pareceu muito exata. Mas o camelo que passa no buraco da agulha pode ser uma baita depressão.
Sei como é, nem conto quantas vezes passo por isso – mesmo que de forma leve – até por dia. Também sinto vontade de sair me procurando, para ver se não acho uma melhor, mais resolvida, com sucesso, considerada. Acostumei. Mas no meu caso, leva só alguns minutos, porque ai já não me encontro mesmo, e logo esqueço até o que estava procurando, vejo e me distraio com outra coisa, dou uma gargalhada. Ou a realidade aparece tão real, dura e cristalina que eu não tenho dúvidas de que estou ali, eu original, embora o que adoraria é justamente é “dar um perdido”. Deve ser uma forma que achei, sim, mas de não perder muito tempo, já que é tudo tão abstrato nesse campo que deve ser objeto de amplos estudos por psicólogos, psiquiatras e afins.
A gente vai vivendo no atropelo dia após dia. Tantas coisas e sofrimentos ao redor, assim como desafios a vencer, que quando vemos – surpresa! – acabou o dia, a semana, o mês, o ano, chegou dezembro. Conversando outro dia me veio uma clara imagem, a de que corremos todos em modernas esteiras malucas, onde não somos nós que controlamos os comandos, e sim uma força superior (ou inferior?) para a qual cada um de nos dá um nome; força, com um dedinho que se compraz em fazer a esteira correr mais veloz – de nos fazer por os bofes para fora – e, de repente, recua, tão lenta que o caminhar se equipara à tartaruga se movimentando. Talvez a tal força esteja só se divertindo com algo como um controle remoto em suas mãos, um joystick.
Quando a gente se procura, para tudo, procura uma outra pessoa que poderíamos ser e viver, o que pode ser o centro de tantos diagnósticos de dupla personalidade que têm vindo à tona com maior intensidade – tais como esses jovens que eram conhecidos como calmos e calados estarem sendo presos porque são serial killers sanguinários e psicopatas. Mães amorosas esganando filhos. Casais que se amavam, mesmo que serenamente, se largando.
Qualquer mudança é difícil. Já complica quando sentimos a necessidade dela, e talvez daí a vontade de “se achar”. Algumas crises se dão na frente do espelho, onde às vezes não conseguimos nos ver refletidos, o que assusta. Temos muitas formas de acompanhar o tempo, mas é preciso estar atento aos detalhes.
Veja que pelos, esses danados, sim, os pelos, por exemplo, podem ser parâmetro: crescem o tempo inteiro, em horas já despontam do mesmo poro onde os arrancamos, giletamos, depilamos, cortamos. Pensar nisso me faz ter várias dúvidas. Mulheres pintam, cortam cabelos, cortam pedaços, colocam recheios para se encontrarem? E esse tanto de barbados, alguns até meio Maomé que tenho avistado pelas ruas? Será que pensam que assim viraram outras pessoas?
Será que é para começarmos todos a nos preocupar porque daqui a pouco se a coisa piorar realmente não nos reconheceremos mais nem uns aos outros?
São Paulo, dezembro, 2014
Marli Gonçalves é jornalista - Já vi esse filme. Um dia a gente pode acordar, olhar do lado e ver um desconhecido. Em outro, pode não se reconhecer nem saber o que está fazendo ali onde quer que esteja. Pior: pode ser que apenas procurando tanto sabe-se lá o quê ache é uma sarninha para se coçar. Lembra aquela musiquinha “Passei a noite procurando tu, onde é que tu tava, onde é que tava tu…”
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