sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

FILMES INESQUECÍVEIS: A FELICIDADE NÃO SE COMPRA



POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de Cinema da UESB

“Estranho como a vida de um homem toca todas as demais”, afirma o anjo sem asas Clarence em determinada ocasião de A Felicidade não se Toca. Essa frase não poderia ser mais pertinente pois, à beira de um colapso e flertando com o suicídio, o desanimado e desamparado George Bailey parece condenado a vivenciar o seu último Natal, embora na sua casa família e filhos o aguardem, e na pequena cidade de Bedford Falls amigos enxergam nele o anjo terreno que salvou as suas vidas. Nossas vidas não são exclusivamente nossas, argumenta Clarence, misturam-se com a de todos outros cujos destinos entrelaçam-se. Para provar isto, e reacender a esperança na vida de George, enfraquecida em face dos problemas cotidianos, o anjo o convida a descobrir o que seria da vida de seus amigos e familiares se ele não tivesse existido.



O encantador de A Felicidade não se Compra é mesmo a sua estrutura narrativa, comum para os padrões da era dourada de Hollywood, mas hodiernamente descartada e praticamente inutilizada, apesar de rica e permitindo investimento emocional pleno com o protagonista. Assim, depois dos significativos créditos iniciais nos quais ouvimos as preces direcionadas a George Bailey, acompanhamos em um longo flashback todos os passos que o levaram a ser o homem que é hoje. Envolvendo-nos com a vida de George por quase 100 minutos, Frank Capra atinge seu objetivo: nos importamos incondicionalmente com o destino de George e sua salvação torna-se imprescindível. Portanto, o conflito que culmina na intromissão de Clarence surge como um bofetão de aviso, e não uma lição de moral; um pesadelo breve e impactante, que permite a George reavaliar suas decisões, o que para alguém que “já nasceu velho”, recebendo um punhado de responsabilidades de presente no colo, não é a tarefa mais fácil. Nesse sentido, James Stewart (que ator fantástico) consegue dosar a jovialidade e impulsividade do jovem sonhador apaixonado pelo sonho dos trens chegando à estação – o concurso de dançaseguido salto na piscina é divertido em capturar os últimos momentos despreocupados de sua vida – com o desanimado caminhar arquejado e o olhar sucumbido às mazelas da vida.

A direção de Capra deixa a narrativa da vida de George fluir sem apelar para pieguice ou vitimizá-lo excessivamente. Ele é retratado não como um homem a quem a vida virou as costas, e sim, como um alguém que sacrificou-se para assumir as responsabilidades na medida em que elas surgiram, a sua vida é um fruto de suas escolhas, apesar de, em última análise, a sua personalidade não lhe conferiria outra saída. Apostando em discretas intromissões como a mudança do plano fechado entre George e Violet (Grahame) para um plano mais geral, revelando as pessoas rindo da natureza do seu convite, ou a poltrona que inferioriza aqueles recebidos no escritório do Sr. Potter, e investindo nos clássicos cânticos de natal, A Felicidade não se Compra é uma obra-prima linda e emocionante.Uma pena que no ano em que concorreu ao Oscar existia no seu caminho o mestre William Wyler.

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