sexta-feira, 14 de novembro de 2014

SÉTIMA ARTE EM DESTAQUE: SIN CITY - A DAMA FATAL


POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de Cinema da UESB

Quando “Sin City – A Cidade do Pecado” foi lançado nos cinemas, em 2005, pegou boa parte dos cinéfilos de surpresa, não só por conta de sua estética inovadora, com planos e cenários digitais impossíveis e quase cartunescos, fotografados em um esquema de três cores em alto contraste, onde cada frame do longa parecia ter sido arrancado dos dinâmicos quadrinhos homônimos de Frank Miller e alguns quadros remetiam a um teatro de sombras, mas também por exacerbar todos os clichês de filmes noir de uma maneira que não ultrapassava a perigosa fronteira da paródia, mantendo uma narrativa séria e, ao mesmo tempo, estilizada e absurda.

Nove anos depois, reencontramos os diretores Robert Rodriguez e Frank Miller na corrupta cidade de Basin neste “Sin City – A Dama Fatal”, nova compilação de contos passados no pesadelo urbano imaginado por Miller. Além de adaptar a trama-título para a telona e uma aventura curta estrelada pelo brutamontesMarv (Mickey Rourke), o quadrinista/cineasta trouxe ainda duas histórias inéditas na nona arte para apimentar o roteiro desta nova empreitada, que é, simultaneamente, continuação e prelúdio de seu antecessor.


Tanto Miller quanto Rodriguez vinham de projetos que não vingaram. Rodriguez amargou um fracasso de público e crítica com “MacheteKills” e Miller, longe das câmeras desde o teratológico “The Spirit – O Filme”, ainda lançou nos quadrinhos a péssima (e incompleta) “Grandes Astros – Batman & Robin” e a indefensávelgraphic novel “Holy Terror – Terror Sagrado”, que não vale o papel no qual fora impresso. Apostar em algo que já havia dado certo parecia o melhor modo dos dois fazerem as pazes com o sucesso.


Por isso, não esperem mudanças no ritmo, tom ou visual nesta sequência. E, paradoxalmente, este é o maior problema de “Sin City – A Dama Fatal”. Enquanto o primeiro longa foi um sopro de algo novo, com um pé no mainstream e outro no cinema experimental, ao repetirem a fórmula (considerando que “The Spirit – O Filme” já a tinha desgastado), esta se torna mais do mesmo, com exceção da trama-título, que se destaca justamente por conta da “dama fatal” que lhe nomeia.

Na primeira história, Marv se vê em meio ao caos e violência que lhe são costumeiros e tenta lembrar as circunstâncias que lhe colocaram no seu mais recente perrengue. Em seguida, Johnny (Joseph Gordon-Levitt), um apostador de sorte, acaba ganhando a partida errada ao humilhar o dono da cidade, o poderoso Senador Roark (PowersBoothe).

Já o detetive particular Dwight McCarthy (Josh Brolin) se vê enrascado quando uma ex-amante, a sedutora Ava Lord (Eva Green), lhe procura pedindo um favor. Finalmente, quatro anos após o suicídio de Hartigan (Bruce Willis), a dançarina Nancy, outrora a menininha salva por ele, tenta vingar a morte do detetive indo para cima do Senador Roark

A despeito da montagem fragmentada de uma das histórias, que torna a cronologia da série um quebra-cabeças desnecessário, a melhor maneira de se encarar o filme é como uma antologia de médias-metragens introduzida por um curta, como no seu predecessor, e provavelmente será dado ao espectador a opção de assistir cada um dos contos separadamente quando a produção chegar ao mercado de home-vídeo.

Como é comum em antologias, há um desnível entre as tramas e é notável como “A Dama Fatal” se destaca das demais. Uma prequel para “A Grande Matança” (presente no volume anterior), é aqui que vemos como Dwight foi obrigado a trocar de rosto, embora Josh Brolin acabe tendo de fazer as duas versões do personagem, pois Clive Owen não pôde retornar para fazer o personagem após sua cirurgia.

Por mais que Brolin se saia bem ao viver o detetive particular que tenta restringir o seu lado “monstruoso”, o show aqui é de Eva Green, como a manipuladora Ava, uma mulher que capaz de escravizar os homens com seu poder de sedução. A atriz encarna a epítome das femmefatales com uma naturalidade assustadora, com seu monstruoso desdenho pela vida alheia se misturando a uma sexualidade arrebatadora, o que torna sua Ava uma verdadeira predadora de homens, que os captura ao adaptar-se aos seus maiores desejos, revelando-se assim uma criatura bem mais perigosa do que o Senador Roark, cuja natureza é óbvia ao primeiro olhar.

Quem também surge é a valente Gail, com a sempre carismática (e, aqui, desperdiçada) Rosario Dawson de volta ao papel, com sua química com Brolin, infelizmente, não chegando aos pés daquela que ela exibia com Owen. Destaque ainda para a rápida participação de Christopher Meloni, que vive uma das vítimas de Ava.

O segmento estrelado por Joseph Gordon-Levitt, que mostra o embate do seu Johnny com o Senador Roark, serve mais para relembrar ao público quão perverso é o vilão. A história em si é tão clichê que se torna prosaica, chamando mais atenção por algumas pontas interessantes, como Christopher Lloyd no papel de um médico drogado e uma surpreendentemente “normal” Lady Gaga como uma garçonete.

Gordon-Levitt parece querer se portar como um jogador cool, mas se mostra por demais inseguro, o que poderia até ajudar o seu personagem, não fosse o roteiro engessado que jamais mostra mais sobre ele, apesar da narração incessante e inútil em primeira pessoa, marca da série que se mostra particularmente irritante neste plot. PowersBoothe, por sua vez, chega com uma performance caricata, simplista e desprovida de brilho.

Já “A Última Dança de Nancy” conclui o filme e encerra o arco da stripper vivida por Jessica Alba, com Nancy, auxiliada pelo quase onipresente Marv, buscando vingança contra Roarke. Alba tenta desesperadamente mostrar-se quebrada, mas a moça simplesmente não se mostra talhada para personagens mais dramáticas, com uma interpretação relutante e de pouca entrega. Bruce Willis aparece aqui como um eco do falecido Hartigan, em uma participação praticamente sem importância para o desenrolar da trama – se tivesse surgido apenas no clímax, no espelho, teria sido mais impactante.

O “curta” estrelado por Marv, que serve de introdução para a fita, é simples e direto em suas intenções, uma sessão de pancadaria repleta de violência estilizada, temperada com o humor e a insanidade que são marcas registradas do personagem, defendido com unhas e dentes por Mickey Rourke. É uma pena que, passado esse impacto inicial de estar de volta à cidade do pecado, essa energia vá se esvaindo, especialmente após a dama fatal dar o seu longo adeus. Por mais que Rodriguez e Miller tentem, não dá para ancorar uma projeção de 100 minutos apenas em estilo e plasticidade.

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