POR GABRIEL JOSÉ
Estudante de Cinema da UESB
O que você faria se fosse um escritor fracassado, incapaz de escrever uma frase sequer do livro que está contratado para fazer? Ou se estivesse com o aluguel do seu pequeno apartamento atrasado há meses? Ou se sua namorada a deixasse pelo simples fato de você não ter nenhuma perspectiva agradável para o futuro? É assim a vida de Eddie Morra (Bradley Cooper), um relaxado e nada talentoso morador de Nova York. Até que um pequeno comprimido transparente, oferecido pelo ex-cunhado traficante, resolve tudo para ele, nos introduzindo a uma ousada viagem física e mental que é este “Sem Limites”.
De pé-rapado, ele se torna um homem brilhante, capaz de terminar o seu livro em uma questão de dias. O comprimido ilegal, informalmente chamado de NZT, ativa todo o potencial de seu cérebro, permitindo-lhe prever fatos e relembrar informações as quais nem sabia que conhecia, os pré-requisitos básicos para se tornar um investidor no mercado de ações. E é o que Morra faz. O sucesso chega, mas acompanhado de um dependência cada vez mais preocupante. Além disso, estranhos perseguidores ameaçam tomar a sua fonte de inteligência e fazê-lo se lamentar por cada pílula ingerida.
Mas não se engane. O filme não está atrás de dar lições de moral, castigando o seu protagonista pela polêmica escolha realizada. O politicamente incorreto é o principal trunfo do roteiro de Leslie Dixon (“Hairspray – Em Busca da Fama“), adaptado de livro homônimo de Alan Glynn. Ele nos apresenta a um mundo onde os mais espertos sempre levam a melhor, seja por medidas “sujas” ou não. A Nova York de Dixon é incrustada de agiotas, traficantes e maníacos disfarçados em meio a uma população viciada em trabalho. Eddie Morra quer ser igual a eles. Mas lhe falta ambição.
Nada que o NZT não resolva. A sua preguiça e falta de inspiração, então, são substituídas por uma disposição fora do comum, bem como por uma incrível velocidade de pensamento. O dinheiro chega e junto com ele, a satisfação, que em “Sem Limites” nada tem a ver com dom. Morra não é destes idealistas românticos que dispensam qualquer grana pela liberdade de pensamento. Mas ele também não se torna nenhum psicopata que faz de tudo para sustentar seu vício e manter sua condição financeira e profissional. Há um mínimo de limite ético na personalidade do protagonista que o transforma em alguém unicamente carismático.
A utilização de inúmeros offs , ajudam-nos a conhecer melhor este homem e tudo que ele está passando. Os efeitos colaterais sentidos demonstram os cuidados do roteiro em trazer algum embasamento científico em meio a uma ideia insana, que nas mãos de quaisquer outros profissionais menos competentes poderia se converter em algo deplorável. Se a crítica social final também traz um encerramento adequado ao longa, a trama policial é frágil e previsível. Os relacionamentos do protagonista com a namorada Lindy (Abbie Cornish) e com o recém-sócio Carl Van Lonn (Robert De Niro) são mal desenvolvidos, desperdiçando os enormes potenciais de uma novata e de um gênio da interpretação.Por outro lado, Bradley Cooper, um dos mais novos queridinhos de Hollywood, foge das comédias e dos romances poucos desafiadores e realiza o seu melhor trabalho individual até hoje. Indo de um homem nada auto-confiante, de cabelo assanhado e barba por fazer, a outro que é o exato oposto do anterior, extremamente bem vestido e de barba meticulosamente desleixada, Cooper traz a densidade exata para o protagonista, incrementando com uma vitalidade e um humor refinado que transformam Eddie Morra em um homem extremamente instável, e por isso mesmo verossímil aos nossos olhos.
A direção de Neil Burger (“O Ilusionista”) faz do filme um passatempo prazeroso, de edição e raciocínio rápidos, assim como o seu protagonista. O cineasta opta por caminhos mais tortuosos e complexos, cheios de planos inovadores e surpreendentes, mas nem todos bem-sucedidos. Se em alguns ele consegue transpor toda a tensão mental (ou a completa falta dela) do protagonista, em outros exagera, se utilizando de técnicas que seriam melhor empregadas em propagandas televisivas. A cena em que Morra finalmente escreve o seu livro na escrivaninha de seu apartamento, enquanto letras caem do teto e se espalham pelo ambiente, é de um mal gosto lamentável, além da sequência inicial mais parecer uma abertura de novela.
Mas antes a ousadia do que a falta dela. Com tudo isso, “Sem Limites” se confirma como umas das mais agradáveis surpresas A partir de uma premissa aparentemente absurda, o roteiro e Bradley Cooper presenteiam o público com uma história inovadora, que não tem medo de arriscar, mesmo que seu diretor tente fazer demais. Mexendo com o imaginário dos espectadores, o filme fará você se questionar se a NZT já não existe ou se há uma mínima possiblidade de vir a ser fabricada. Aposto que muitos pensariam várias vezes antes de dispensá-la. Ou não.
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